Relação entre epilepsia e transtornos psiquiátricos:
A associação entre epilepsia e transtornos psiquiátricos é conhecida desde a antiguidade, mas, atualmente, muitos profissionais não estão familiarizados com essa conexão e os desafios clínicos envolvidos no manejo desses pacientes, tendo em vista que os estudos mostram que pacientes com epilepsia têm um risco aumentado de transtornos psiquiátricos em comparação com a população sem epilepsia.
Transtornos psiquiátricos mais comuns em pacientes com epilepsia:
O transtorno mais frequentemente associado à epilepsia é a depressão, incluindo distimia. No entanto, outros transtornos também são comuns, como ansiedade, transtorno somático, alterações de personalidade, hipossexualidade e diferentes formas de psicose.
Como os transtornos psiquiátricos se relacionam com as crises epilépticas?
As manifestações psiquiátricas podem ocorrer de diferentes formas:
Durante a crise (ictais): Como as auras psíquicas.
Logo após a crise (peri-ictais): Como a confusão pós-ictal.
Entre as crises (interictais): Como a psicose interictal.
Sem relação clara com as crises: Como os transtornos do humor.
Impacto dos transtornos psiquiátricos na vida dos pacientes com epilepsia:
Esses transtornos podem afetar negativamente a qualidade de vida e o bem-estar dos pacientes. Por isso, é essencial que psiquiatras e neurologistas considerem os efeitos dos medicamentos antiepilépticos (AEs) no humor, evitem medicações que possam reduzir o limiar convulsivo e monitorem interações entre psicotrópicos e AEs. Além disso, antes de iniciar um tratamento, é fundamental diferenciar crises epilépticas de eventos psicogênicos não epilépticos.
O que é a psicose associada à epilepsia?
A psicose é um dos transtornos psiquiátricos mais estudados na epilepsia. Desse modo, é visto que a prevalência ao longo da vida de qualquer tipo de psicose entre pacientes epilépticos pode chegar a 12%.
Existe maior risco de psicose em algum tipo específico de epilepsia?
Sim. A epilepsia do lobo temporal apresenta um risco mais elevado de psicose, tendo em base que os estudos mostraram que a psicose ocorre em cerca de 7% dos pacientes submetidos a lobectomia temporal. Além disso, uma meta-análise revelou que a prevalência de psicose na epilepsia do lobo temporal é de aproximadamente 7%, maior do que em outros tipos de epilepsia (5,6%), o que representa um risco cinco a oito vezes maior de psicose em comparação com a população geral.
Influência dos autoanticorpos podem influenciar a psicose na epilepsia?
Algumas pesquisas sugerem que autoanticorpos podem estar envolvidos na psicose associada à epilepsia, uma vez que os anticorpos como anti-NMDA, anti-canal de potássio (VGKC) e anti-receptor GABA-B foram identificados em até 10% dos pacientes com epilepsia e psicose. Ademais, em casos de encefalite autoimune, os pacientes frequentemente desenvolvem crises convulsivas durante o curso da doença.
Relação entre lateralização da epilepsia e psicose:
Lesões no hemisfério esquerdo e esclerose hipocampal estão associadas a um maior risco de psicose. Nesse sentido, análises por ressonância magnética com morfometria baseada em voxel mostram que pacientes com epilepsia do lobo temporal e psicose apresentam maior perda de substância cinzenta no lobo temporal, no hipocampo esquerdo, nas ínsulas, no giro do cíngulo anterior e no lóbulo parietal inferior esquerdo. Também há evidências de redução da substância branca em várias regiões do cérebro.
Quais exames de imagem podem ajudar na investigação da psicose associada à epilepsia?
Exames como tomografia por emissão de pósitrons (PET) e cintilografia cerebral por emissão de fóton único (SPECT) podem revelar hipometabolismo predominante no lobo temporal esquerdo em pacientes com epilepsia e psicose. Contata-se com base nesses achados o reforço da hipótese de que alterações estruturais e funcionais no cérebro desempenham um papel no desenvolvimento desses transtornos.
Prevalência da depressão em pacientes com epilepsia:
A frequência da depressão em pessoas com epilepsia varia entre 7,5% e 34%, dependendo dos critérios utilizados para diagnosticar o transtorno. Episódios depressivos maiores podem ocorrer em até 20% dos casos.
Características dos pacientes que têm maior risco de desenvolver depressão:
O risco de depressão é maior em pacientes com crises focais de origem temporolímbica, especialmente quando há alteração do nível de consciência. Além disso, aqueles com epilepsia mal controlada apresentam maior predisposição a transtornos de humor.
Existe alguma relação entre a localização das crises e o risco de depressão?
Sim. Estudos psicológicos indicam que pacientes com foco epiléptico no hemisfério esquerdo tendem a apresentar maior incidência de depressão e autocrítica.
Como avaliar a depressão em pacientes com epilepsia:
Existem ferramentas específicas para essa avaliação, como o Neurological Disorders Depression Inventory for Epilepsy (NDDI-E), que auxilia no rastreamento da depressão em pacientes epilépticos.
A relação entre epilepsia e transtornos psiquiátricos é complexa e multifatorial. O manejo adequado exige um entendimento aprofundado dessas interações para otimizar a qualidade de vida dos pacientes. Profissionais da saúde devem estar atentos às manifestações psiquiátricas, escolher cuidadosamente as opções terapêuticas e monitorar possíveis complicações relacionadas ao uso de medicamentos.
Referência: BOLAND, Robert J.; VERDUIN, Marcia L. (Eds.). Kaplan & Sadock's Comprehensive Textbook of Psychiatry. 11. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2024.